19 de out. de 2013

Na esperança de teus olhos

Eu ouvi no meu silêncio o prenúncio de teus passos 
Penetrando lentamente as solidões da minha espera 
E tu eras, Coisa Linda, me chegando dos espaços 
Como a vinda impressentida de uma nova primavera. 
Vinhas cheia de alegria, coroada de guirlandas 
Com sorrisos onde havia burburinhos de água clara 
Cada gesto que fazias semeava uma esperança 
E existiam mil estrelas nos olhares que me davas. 
Ai de mim, eu pus-me a amar-te, pus-me a amar-te mais ainda 
Porque a vida no meu peito se fizera num deserto 
E tu apenas me sorrias, me sorrias, Coisa Linda 
Como a fonte inacessível que de súbito está perto. 
Pelas rútilas ameias do teu riso entreaberto 
Fui subindo, fui subindo no desejo de teus olhos 
E o que vi era tão lindo, tão alegre, tão desperto 
Que do alburno do meu tronco despontaram folhas novas. 
Eu te juro, Coisa Linda: vi nascer a madrugada 
Entre os bordos delicados de tuas pálpebras meninas 
E perdi-me em plena noite, luminosa e espiralada 
Ao cair no negro vórtice letal de tuas retinas. 
E é por isso que eu te peço: resta um pouco em minha vida 
Que meus deuses estão mortos, minhas musas estão findas 
E de ti eu só quisera fosses minha primavera 
E só espero, Coisa Linda, dar-te muitas coisas lindas...
[Vinicius de Moraes]